Para falarmos do Jet-Lag, primeiro deveríamos conhecer o relógio interno e os ritmos circadianos de cada pessoa. O corpo humano funciona em ciclos de aproximadamente 24 horas (a todos os níveis, tanto para a libertação de hormonas como para a produção de várias reações bioquímicas que ocorrem dentro de nós, bem como para determinar os ritmos de vigília-sono). São os chamados ritmos circadianos. Este relógio biológico controla a sensação de sono e a nossa atividade. A luz do dia regula o relógio biológico – por isso o nosso corpo adapta-se a um ritmo regular de dia e de noite. A verdade é que existem pessoas mais notívagas do que outras (incluindo algumas que são verdadeiras “aves noturnas”), mas em geral o corpo “pede-nos” que durmamos de noite, os nossos sistemas apagam-se à medida que a luz solar vai desaparecendo (os reflexos diminuem, ficamos mais desajeitados…) e levantamo-nos com o sol, mais ou menos pletóricos. Estos ritmos autoregulam-se e “tornam-se mais fortes” se respeitarmos hábitos ou rotinas horárias, como costumamos fazer, pelo menos de segunda a sexta-feira, obrigados pelo nosso sistema de vida e de trabalho. Estudos realizados descobriram que também existem paralelismos entre os hábitos de sono e a personalidade, afetando inclusivamente o QI e causando perturbações (depressão) ou dependências (comprimidos, álcool, drogas), mas isso extravasa a temática deste blog.
Por outro lado, o mundo está dividido em 24 fusos horários, cada um deles com uma hora de diferença em relação ao seguinte. Todas as zonas horárias são medidas segundo um ponto de referência: o meridiano de Greenwich, em Londres, Reino Unido. Um fuso horário estende-se por 15 graus de longitude deste o ponto zero.
O que é que acontece, então, quando nos deslocamos em direção a leste ou a oeste, saindo de nosso fuso horário habitual? Dá-se um desfasamento entre o nosso relógio interno e a hora oficial da zona onde estamos (conforme haja ou não luz solar). Este desfasamento não deveria afetar o corpo, se atravessarmos apenas dois ou três fusos horários diferentes; neste caso, seria semelhante à sensação de dormimos pouco durante um fim de semana. O verdadeiro problema são as viagens transcontinentais que se realizam cruzando mais de cinco fusos horários diferentes: de Portugal para a Ásia, a América ou a Oceania. E obviamente as consequências serão mais gravosas quanto maior for a distância (e, portanto, a diferença horária) entre o ponto de origem da viagem e o destino. Por outro lado, não há Jet-Lag se viajarmos de Norte para Sul (ou vice-versa) dentro de um mesmo fuso horário (por exemplo, de Portugal para a Nigéria ou a Islândia).
É difícil precisar, mas aparentemente o termo Jet-Lag foi utilizado pela primeira vez num artigo publicado no Los Angeles Times em 13 de Fevereiro de 1966: “Se vais ser membro do jet set e voar para Katmandú para tomar café com o rei Mahendra”, escreveu Horace Sutton, “podes ter a certeza sentirás o Jet-Lag, um mal-estar não muito diferente de uma ressaca. Os jets (aviões a jato) viajam tão rapidamente que deixam os nossos ritmos corporais (circadianos) para trás.”
Nessa altura, os serviços transcontinentais de aviação comercial a jato já existiam há 14 anos, mas ninguém tinha decidido investigar a perturbação ou a fadiga que os passageiros sentiam depois de um voo. Foi em meados dos anos 60 que se tomou consciência do problema, quando a FAA (Agência Federal de Aviação norte-americana) realizado os primeiros estudos sobre o efeito do Jet-Lag em pilotos, diplomatas e empresários (os que mais viajavam de avião naquela época). Pouco depois as preocupações estenderam-se aos jogadores da liga de basebol dos EUA: um porta-voz da equipa White Sox, de Chicago, queixou-se ao New York Times de que metade dos 12 jogadores da equipa eram afetados sempre que tinham de viajar de avião para jogar no outro extremo do país. Com a expansão do turismo na década de 1970, os voos transcontinentais, por um lado passaram a estar ao alcance da classe média (com preços medianamente acessíveis) e por outro lado popularizaram-se ainda mais entre a elite endinheirada (recordemos o mítico Concorde, que cruzava o Atlântico em 3 horas e meia pela “módica” quantia de 6.000 euros da época), e o Jet-Lag passou a ser algo habitual e inerente às viagens de avião. Algo que, se conseguirmos controlar, não tem de estragar os nossos ansiados dias de férias, nem o regresso das mesmas.
Cada pessoa é afetada de modo diverso, precisamente por causa dos diferentes seus ritmos circadianos, mas podemos dizer que a duração do mal-estar oscila entre 2 e 14 dias (neste último caso, se tivermos viajado para muito longe). O sexo e a idade – as mulheres e os idosos são mais propensos a ter este problema – a condição física e o hábito de viajar – os viajantes esporádicos não estão acostumados a superar diferentes fusos horários – também são fatores determinantes. Além da “sonolência” que sentimos durante o dia e da insónia que nos aflige à noite, podem ocorrer alterações do apetite, desconforto intestinal, dores de cabeça, ansiedade, desidratação e fadiga generalizada. Recordemos que o Jet-Lag não é uma patologia que a medicina possa tratar. A melhor maneira de o combater é com uma série de conselhos baseados na experiência de milhões de viajantes:
- Deve-se descansar tanto quanto possível, antes da viagem e durante o voo. Na viagem, convém desapertar os sapatos e utilizar o apoio para os pés ou outra coisa qualquer que permita elevar as pernas e, claro, dormir. Também é essencial hidratar-se bem: beber bastante água e refrescar-se com frequência. Finalmente, devemos tentar movimentar-nos e fazer exercício e alongamentos, para evitar o entorpecimento dos músculos e favorecer a circulação sanguínea.
- O abuso do álcool pode complicar ainda mais os efeitos do Jet-Lag: seria como uma dupla ressaca. Se beber, deve ser em pequenas quantidades, sempre antes do voo.
- A cafeína também pode complicar o Jet-Lag. Nos dias em que sentir o Jet-Lag nunca deve exceder o número de cafés que toma normalmente.
- O ideal é tentar ajustar o nosso relógio biológico ao ambiente ou zona para onde vamos. Podemos fazê-lo gradualmente, alguns dias antes da viagem: tentar deitar e levantar um pouco mais cedo se viajarmos para leste ou deitar e levantar mais tarde, se viajarmos para oeste.
- Assim que entrarmos no avião, devemos regular o nosso relógio para o fuso horário de destino. Se chegarmos à tarde, não devemos dormir muito no avião para nos podemos deitar quando chegarmos ao destino. Pelo contrário, convém dormir o mais possível se o voo chegar de manhã, para podermos estar despertos e ativos durante o resto do dia.
- Como referimos acima, não existem medicamentos específicos contra o Jet-Lag, embora a ingestão de melatonina (uma hormona libertada durante a fase de obscuridade e que está implicada na regulação dos ritmos circadianos) seja recomendável para pessoas que viajem entre mais de 5 fusos horários diferentes. Pode ser adquirida em farmácias e parafarmácias. As pessoas que sofram de algum tipo de perturbações do sono, deve consultar o médico de família.
De qualquer forma, os efeitos da mudança de hora constituem um contratempo e algumas companhias aéreas como a Finnair levam muito a sério este problema. A companhia aérea escandinava anunciou que em breve irá oferecer aos seus passageiros auscultadores anti-Jetlag. Trata-se de aparelhos recetores que simulam os efeitos da luz do dia através do canal auditivo, enviando informação às zonas fotosensíveis do cérebro. Segundo os promotores da iniciativa, isso alivia os efeitos do Jet-Lag, a escassez de luz natural e a dificuldade de adaptação ao novo fuso horário. Enquanto não se descobrir a solução definitiva, siga os nossos conselhos: seguramente contribuem para tornar a viagem mais agradável. E console-se pensando que o Jet-Lag não é nada comparado com o que nos espera quando as viagens turísticas espaciais se popularizarem…
Boa viagem